30 de dezembro de 2024

Dona Dulce: ‘Os cabarés fecharam porque as mulheres passaram a fazer nas ruas’

Por

IVONE LIMA. PA4.COM.BR

“Quem tem o modo de ver os campos pelas ervas, não deve ter a cegueira  que faz fazer sentir”, Fernando Pessoa.

 

Dulcinete Freitas, 83 anos, aposentada.

Antes de avançar nas linhas com a participação de Dulcinete de Freitas, 83 anos, ‘Dulcinha’, nesse espaço cujas mulheres são minha atenção até o próximo dia 8 de março, devo dizer a vocês que não sabia por onde começar. Em primeiro lugar, porque tenho ojeriza à prostituição [não à prostituta, pessoa como outra qualquer] e são tantos os tipos, mas em particular a que deveria tratar com dona Dulce.

 

Contudo, passadas mais de quatro décadas do fim do ‘Roda Viva’, o cabaré mais famoso de Paulo Afonso, ‘Porque tinha as mulheres mais bonitas e ordem, que comigo é assim’ justifica Dulce, relembrando sem perder detalhes dos tempo do salão; eu não posso, como diz Fernando Pessoa, ver a vida de uma pessoa com tanta riqueza apenas pela sua fase de noitadas.

 

Dulcinete, por seu turno, vendo a minha falta de jeito, não negou seu passado conhecido de muitos, não disfarçou o que fez, não buscou maquiar a natureza dos cabarés, e me mostrou uma infância de violência, uma vida de aventuras; a tentativa de homicídio que lhe aleijou os dedos da mão, e seus infinitos amores.

 

Uma vida errática?, a vida que ela quis ter. Não nos cabe julgar. Dulce não titubeou quando eu perguntei a causa da decadência dos cabarés [já justificando que as leis avançaram e felizmente combatem à prostituição infantil, e de quebra o tráfico de drogas infiltrado em muitos prostíbulos], interrompendo-me ela cravou: “O que acabou com cabaré foi a mulher passar a fazer na rua mesmo.”

 

Nosso encontro aconteceu nesta quinta-feira 08, em sua casa. Cheguei e a encontrei brava comigo, esperando para o café da manhã. Cuidava dos passarinhos. Dulce espera a homenagem de cidadã pauloafonsina que lhe prometeram. Aliás, esperamos que saia ainda este ano.

 

Dulcinete Freitas, no livro do escritor João Souza Lima.

Foi tanta coisa dita por Dulce com os pormenores mais ‘íntimos de nós dois’, que vou apenas disponibilizar uma parte do áudio, não é possível avançar com o restante da gravação. E para traçar o retrato de um tempo, vamos dividir o texto em capítulos, como fosse um folhetim, ou melhor: uma minissérie.

 

 

 

 

 

 

CAPÍTULO I: “Dulce se perde na vida”

 

São Bento do Uma-PE, 1948.

 

“Eu nasci no dia 23 de junho de 1935. Minha mãe era de Monteiro-PB, e meu pai pernambucano de São Bento. Quando eu tinha treze anos de idade minha mãe me chamou de rapariga; eu cheguei em casa com os cabelos cheios de folhas de mato [eu fiquei escondida nos matos para fazer medo as meninas], mas minha mãe disse que eu estava era com os machos.”

 

Meninota, Dulce apanhava muito, o pai nunca batera, sim, uma vez só e por insistência da mãe. Quando aconteciam as surras uma das irmãs ia ao seu socorro e a outra ‘achava bom’ e assim ela foi crescendo ouvindo que não daria para o que preste.

 

“Até que um dia eu resolvi e fui me oferecer para o primeiro que me aparecesse; encontrei pessoas que conheciam meus pais. “Sai com essa menina, tais doida!, eu conheço teu pai”, lembra ela, eis que esbarra num caminhoneiro de Recife:

 

O primeiro, o desterro, a vida…

 

“Era um cabra bonito e me mandou ir ao paredão, ficamos lá e depois quando eu cheguei em casa, mandei a vizinha ir dizer: ‘você vai dizer a  minha mãe que ela me chamou de rapariga, eu não era não, mas agora eu sou, foi um choro’, eu me arrumei, peguei uma bolsinha e sai de estrada afora, de São Bento do Uno, a pé,  como daqui em Delmiro Gouveia-AL, porém, me pegaram no caminho, a polícia me pegou e me levou de volta para casa; meus vizinhos gostavam muito de mim, mesmo depois dos cabarés, eu andava com as filhas, porque eu respeitava muito; eu fiquei em casa, mas levei muita pisa, mamãe era muito ruim; por isso eu fiz tudo aqui em Paulo Afonso, cuidei dela, perdoei.”

 

Segundo Dulce, ela tinha 13 anos.

 

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COMENTÁRIOS

Comentários 22

  1. ROBERTO CABRITTO says:

    GRANDE FIGURA EM PAULO AFONSO, DEUS A PROTEJA SEMPRE.

  2. He-man says:

    Massa, vc é uma mulher de personalidade , precisamos de mais pessoas assim. Muitas lembranças boas

  3. Zeca Roceiro. says:

    Daquela época, havia também o Cobra Verde, Maria Cavalcante, Lurdes, Guilhermina, Socorro, Elizabeth etc.etc.etc ouvi falar muuuuuuito.

  4. PAULOAFONSINO says:

    Kkkk que figura Ivone, bela matéria pura sinceridade. Parabéns as duas.

  5. Wires says:

    Dulce , merece ser considerada Cidadã Pauloafonsina sim…. 👏👏👍👍

  6. marcos says:

    Apareceu um fariseu! Lembre-se do que Jesus falou:” Aquele que não tiver pecado, atire a primeira pedra” Dulce, sinto muito orgulho de saber que você mora em Paulo Afonso, Parabéns! E muito anos de vida.

  7. DINIZ says:

    Todas mulheres bonitas que chegavam em Paulo Afonso Dulce e Gulhermina reservavam para mim. Eu era freqüentador assíduo do brega, ia todos os dias e “pegava” uma, duas ou tres todos os dias, até me amigar com uma bela morena chamada Geraldina. Como naquela época, o preconceito era grande, eu disse para ela que nunca dissesse que era amigada comigo a ninguém, e no dia que ela falasse a alguém, ela me perderia. Perguntou o porquê e,disse:- Por que era empredário e a sociedade e minha famílha não aceitava e eu passaria por maus lençois. Um dia, à tarde, uma colega dela, perguntou…”Este é o rapaz que você me disse que estava amigada com êle, ela respondeu que sim e à noite já fiquei com outra. Ela me procurou e eu não fiquei mais com ela, e expliquei… não falei que se dissesse a alguem que estava amigada comigo, pois é, me perdeu. Passou uns dias insistindo, chorando, e não a quis mais. Hoje eu me arrependo de, por causa de preconceito, perdi uma grande mulher
    Outro tirou-a e se deu bem. E eu nunca encontrei outra mulher igual a ela. Dulce ainda hoje, é minha amiga.Gosto muito dela. Sabe viver, sem preconceito. Viva muito. Você meresse muito.

    • redecultura@redecultura.com.br says:

      Dulce é minha amiga há muito tempo.

    • redecultura@redecultura.com.br says:

      Nome correto é Guilhermina. Faltou um i.

    • Bruno says:

      Que história mais linda, kkkkkk… Chorei! Sentir orgulho do passado de PROSTITUIÇÃO? Meu Deus!

    • Dimba says:

      Valeu Diniz! parabéns pelo relato, sincero sem hipocrisia. Causos de Paulo Afonso. Parabéns a repórter pela matéria!!!

    • De olho says:

      O que mais me chamou atenção em seu texto, “Diniz”, é você escrever ” meresse” e não ” merece” , que é o correto. Não sou professora de português, mas como comunicador que você é escrever “meresse” é assassinar a lingua portuguesa. Ainda desacredito que o sejas o mesmo Diniz que diz ser.

      • casador de historia. says:

        o que importa e a bela historia que aqui foi contada. as correções deixa que o google faz.

  8. redecultura@redecultura.com.br says:

    Correto é Guilhermina.

  9. Nando says:

    Pessoa maravilhosa Dulce, mulher correta, sincera e de personalidade forte.

  10. Nilton(nilton_gordo63@hotmail.com) says:

    Foi no cabaré de dona Dulce que transei pela primeira vez com uma mulher,depois desde dia,
    ia toda semana lá.kkk

    • Bruno says:

      Se foi a primeira vez com uma mulher no cabaré de dona Dulce, onde foi a primeira com um homem….

  11. casador de historia. says:

    hoje não tem mais cabaré pois não precisa e na casa das putas mesmo.

  12. Coleta Sá says:

    Eu acho uma baixaria se aproveitar da fragilidade de uma pessoa que na sua mocidade , por inocência ou falta de oportunidade exerceu tal profissão,.
    Isso é querer apareer desenterrando o passado das pessoas.
    Mais resleito com D.Dulce, uma senhora de 83 anos, é o que todos devem ter.
    Muita saúde e felicidade D.Dulce!

  13. Lucão do bogó says:

    Que orgulho que satisfação que bons tempos que não vão voltar mais eu era cliente agora não sou mais

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